sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A Telepata Cap. 1 _ O Sanatório

E mais uma vez, estou aqui, entre essas paredes brancas, os móveis simples e modestos, o silêncio. Aparenta ser um lugar calmo, tranquilo, daqueles que te dá prazer de ficar o dia inteiro em meio a devaneios, mais não é bem assim. Eu já estou aqui há sete anos, mais ás vezes, parece à eternidade.

Hoje acordei muito cedo, o que era estranho, afinal só acordo cedo assim quando tenho um pesadelo, coisa que não havia acontecido.
Levantei-me e caminhei até a mesinha do canto da sala na esperança de encontrar um copo d’água. Já deu para perceber que estava com azar, a jarra estava completamente vazia. Abri a porta do quarto, dei uma boa olhada no corredor, vazio, sem nenhuma enfermeira á vista. Eu estava com sede, e sabia muito bem das regras: Sem passeios no meio da madrugada.

Andei então, entre os corredores, em busca de alguém que trabalha-se aqui, nunca fui de seguir regras mesmo, e ainda mais com o passar dos anos, eu já estava acostumada a quebrar regras de todos os tipos. Ah! Qual é? Eu tenho um pretexto para sair por ai andando. Estou com sede.

Continuei andando, aqueles corredores de vez em quando pareciam não ter fim. Alguém se aproximava de mim, podia ouvi lá á quilômetros de distância, para minha sorte, era uma pessoa conhecida.

—Olá Tonica, eu não estava tentando fugir ou algo do tipo, só acordei com cede e vim buscar água. —Disse sem ao menos virar para Tonica.
—Eu acho impressionante essa sua capacidade de saber quem era, sem ao menos ter se virado. —Tonica disse deixando sua aparência pasma, ela sabia que aquilo não era normal, mais também já estava acostumada. Acostumada comigo e com todos naquele lugar, éramos todos iguais. Eu só soube que era ela pelos seus pensamentos, a ouvi a quilômetros de distancia. “Qual dos loucos agora resolveu dar trabalho? Só não espero que acabe causando problemas”.
—Não se preocupe, só estou com cede, quero água, onde está o bebedouro mais próximo? –Perguntei educadamente á Tonica, que se aliviou sabendo que essa “louca aqui” não faria nenhuma besteira, a não ser MATAR sua cede.
—Vamos caminhando de volta para seu quarto, no caminho tem a sala de coordenação, lá dentro tem um bebedouro.
Caminhamos até meu quarto, todos praticamente estavam dormindo, era a hora de descanso das enfermeiras e de todos que trabalhavam ali. Era bom uma folguinha por dia, não ter que limpar velhinhos insanos, alimentar loucos sadios e jovens com a mente do tamanho de uma ervilha, enfim, um pouco de descanso.

Tonica, assim que chamo Doutora Antônia, quebrou o silêncio de nossa caminhada por fim, perguntando:
—Amelie, eu não entendo.
—Eu também não entendo milhares de coisas, mais, o que exatamente você não entende? —Perguntei, mostrando inocência, eu nem precisava perguntar o que era mais se eu ao menos tentasse explicar isso, só passaria por uma louca, o que eu era naquele lugar.
—Você é tão calma, educada, inteligente, o que faz neste lugar? O sanatório não é lugar para você. —Disse confiante em sua opinião.
—Sabe... —Suspirei. —Às vezes, me pego tentando achar a resposta desta pergunta. O porquê de terem me deixado aqui, como um pacote que se deixa em qualquer lugar e vai embora; Sem ter o mínimo de consideração. —Respondi friamente. Essa era minha forma de expressão quando se tratava desse assunto. Não consigo falar nisso sem demonstrar minha frieza.
—Bom, não fale assim Amelie, o sanatório São Diego é uma clínica particular, e uma das mais caras, se sua família paga, é por que se importa com você. —Tonica disse tentando me confortar.

Eu sabia que a clínica era particular, e que custava uma fortuna. Dinheiro nunca foi o problema da minha família, meu pai, era um empresário muito bem sucedido, formado, famoso, e desejado por qualquer mulher. Meu irmão tem um ano a mais do que eu. Se hoje tenho dezessete ele tem uns dezoito. Minha mãe faleceu em um acidente de carro quando eu tinha apenas dez anos. Eu não gosto muito de lembrar disso, eu estava junto á ela no dia. Depois disso, as coisas aconteceram muito rápido, minha habilidade se desenvolveu muito rapidamente depois daquele dia, foi onde ela começou, na verdade. Mais enfim, não gosto de falar ou simplesmente pensar nisto. É claro que tentei pedir ajuda do meu pai, meu irmão, até da minha madrasta que acabei ganhando após o acidente da minha mãe. Mais ninguém me ouviu, afinal quem ouviria uma insana como eu? Estava mais uma vez, entrando no meio desses devaneios que me atormentavam por dentro. Tonica me interrompeu por fim, fazendo outra pergunta:
—Amelie, você não tem vontade de sair daqui?De viver sua vida?Eu trabalho aqui há quatro anos e nunca vi um comportamento errado seu.
—Nem eu, ás vezes eu queria saber, porque fui colocada aqui, na verdade. —Essa pergunta, não saia da minha cabeça, acho que tudo foi meio que influenciado pela minha madrasta. Ela se casou com meu pai por puro interesse, pude ler isso em seus pensamentos, a ameacei e ela simplesmente se livrou de mim, muito simples, não?
—Bom, de qualquer jeito, irei te ajudar... —Continuou Tonica. —Irei me reunir com o diretor e discutir sobre seu caso, você merece viver sua vida, e se for por mim você fará isso. —Estampou um grande sorriso ao acabar de pronunciar tais palavras.

Pude ver que Tonica, realmente falava a verdade, queria me ajudar, acabamos a caminhada até a coordenação, bebi minha água, despedi-me de Tonica com um abraço. Ela era a segunda pessoa que me apoiara na vida, à primeira foi minha mãe, que infelizmente se foi tão cedo. E voltei para meu humilde quartinho todo branco, como o restante daquele lugar, estava totalmente sem sono, quando acordo cedo, é difícil voltar a dormir, ainda mais quando lembrei-me de tudo aquilo. Comecei a lembrar do meu pai, do meu irmão, e até daquela megera de minha madrasta, como será que todos estão?Deveriam ter se esquecido de mim, afinal, quase não me visitam. Parei de pensar em tudo aquilo. Isso só acaba me corroendo por dentro. Às Vezes, tem feridas como essa, de ser abandonada, que nem mesmo o tempo é capaz de curar. Escapei mais uma vez de meus devaneios, acreditem, uma vez dentro deles, é quase impossível de sair.

Decidi ir tomar um banho de banheira, era uma das únicas coisas que me acalmavam, diminuía a dor de vez em quando. Pensei no que Tonica disse. Como ela me ajudaria? Simplesmente chamaria meu pai e eu sairia daqui? Pensando bem, acabaria voltando para perto daquela naja, mais a vontade de rever meu irmão e meu pai, viver minha vida como uma pessoa normal, era bem maior do que aquela cobra. Sai do meu banho enrolada na toalha, olhei o relógio, marcava cinco para as sete. Fiquei tempo demais no banho afogando meus pensamentos.

Vesti-me rapidamente um de meus vestidos, simples e pacatos, nada muito chamativo, diferente de alguns loucos dali. Penteie meus cabelos castanhos escuros, deixando o solto. Sai do quarto ás sete e quinze. Onde todos se reuniam para o café, nos preparando para nossas atividades.

Tomamos nosso café como todas as manhãs monótonas daquele lugar. Eu sentava na mesa do canto, sozinha, era rotina, já estava acostumada com aquilo. Eu não falava muito com os outros loucos dali, nunca fui de fazer amizade mesmo, conversava mesmo com a professora de artes, a tia da cantina, com os médicos, enfim, sou daquelas que preferem ficar na sua. As horas demoram a passar naquele lugar, sorte minha que temos algumas atividades que, como dizem os médicos, acalmam os loucos.

Tocar piano era uma das poucas aulas que adorava ali. Toco desde que cheguei. Passar as mãos em meio àquelas teclas de marfim ocupava grande parte de meu tempo, me fazia esquecer algumas coisas. Depois de duas horas no piano, dei um tempo, precisava respirar um pouco de ar puro, sentir o sol em minha pele.

Caminhei entre aqueles corredores, já não tão assustadores a luz do dia. Sai, e senti o vento, era uma das poucas sensações que sentira, ouvi-lo batendo nas árvores, enfim, um momento para brincar de ser normal.
Notei que ali, entre as árvores, havia uma nova interna, como gosto de chamar. Um novo louco no hospício, como devem dizer os “NORMAIS”. Sua face aparentava um medo estrondoso, ela estava se encolhendo, ao máximo, como se aquilo fosse lhe formar uma defesa, a qual ninguém atravessaria e não lhe faria algum mal. Fiquei curiosa em saber o que se passava em sua mente. Sem fazer nenhum esforço, tive meu resultado. Estava assustada, com medo, se fazendo milhares de perguntas. Olhá-la daquela maneira, lembrou-me quando eu cheguei, a dor de cabeça que eu sentia, com o olhar do meu pai me deixando, tristeza, mágoa, raiva, tudo junto. Não tenho palavras para descrever o que senti. Decidi ir falar com ela, acalmá-la de alguma maneira, tentar convencê-la de que o Sanatório não era tão ruim assim.
Caminhei lentamente até sua mesa, ele notou minha presença ali, se encolhendo ainda mais, puxei a cadeira e sentei. Fiquei calada por uns dois minutos, o único som ali, eram de outros loucos brincando, fazendo suas atividades, e do vento, batendo nas árvores. Ela me olhava com medo e curiosidade, várias perguntas eram formadas em sua mente. Ela finalmente, resolveu quebrar o silêncio.

—Eu não sou louca! —Disse meio tímida, mais deixando clara sua voz.
—Ninguém aqui é louco. As pessoas nos denominam de loucos. —Retribui com um tom de voz, calmo e sereno.
Por um minuto, pude ler em sua mente, “Onde eu vim parar?” estava se fazendo essa pergunta, enquanto olhava para mim, Provavelmente, deveriam tê-la apagado antes de trazê-la para cá. É um método mais prático e menos cansativo. Nós duas ficamos em silêncio, eu tentava compreendê-la através de seus pensamentos. Era como resolver um enigma, é mais fácil quando se tem todas as peças, no seu caso, faltava tudo.

—Olha... —Disse quebrando o silêncio. —Quando eu cheguei aqui, eu era mais nova do que você. Eu também me perguntava onde eu estava, porque tinham feito àquilo comigo, eu só queria estar em minha casa. Com o tempo, eu fui me acostumando. Acaba virando uma rotina, monótona e chata. Você vai descobrir que, aqui não é tão ruim assim. As quintas eles servem macarrão com almôndegas. É bem gostoso. E também temos uma biblioteca enorme, cheia de livros interessantes. Tudo é uma questão se adaptação. Temos várias aulas como artes, piano...

—Piano? —Disse ela por fim, mostrando um pouco de interesse. —Eu adoro piano, mais não sei tocar.
—Você aprende. Eu também não sabia, fui aprendendo ao longo dos anos. Aqui não é tão ruim quanto parece. Me chamo Amelie, qual seu nome?
—Samantha. Obrigada Amelie... —Deu uma pausa, soltou um suspiro ...

Tonica ia se aproximando da mesa, e mais uma vez, a surpreendi de longe gritando:
—Eu sei que é você Tonica.
—Será que tem como parar de fazer isso. —Disse ao se aproximar, olhou atentamente para Samantha, depois olhou para mim e continuou.
—Vejo que já conhece a pequena Samantha. Ela chegou hoje, na hora do café.

—Acabei de conhecer, ela só está assustada. Mais ela se acostuma. —Disse me levantando e olhando para Tonica. Ela estava muito felizinha para meu gosto. Tinha feito algum ato heroico para ter ficado feliz daquela maneira. Nem me atrevi a entrar em sua mente, a encarei e disse:
—Tá muito feliz néh Tonica? O que você aprontou? —Ergui uma de minhas sobrancelhas, deixando minha aparência curiosa.
—Falei hoje cedo com o diretor. Expliquei sobre seu caso. Ele pediu para você ir imediatamente á sua sala. Fazer um último exame. —Disse, dessa vez, falando sério.

—Que tipo de exame? Ele não vai enfiar alguma coisa no meu cérebro ou algo assim para ver se ela ainda funciona, vai? —Respondi, cheia de sarcasmo testando a paciência de Tonica.
—Da onde você tira umas coisas dessas? O que a Samantha vai pensar de nós? —Disse Tonica, referindo-se a Samantha, que ainda estava ali do lado, prestando atenção em nossa conversa.
—Relaxa Doutora, como disse, Samantha está se acostumando já, está até prestando atenção nas conversas de loucos. —Soltei um sorriso no canto da boca, Tonica tinha vontade de me dar um soco, quando eu fazia aquilo. Sem descer do salto alto, olhou dentro dos meus olhos e disse:





—Ele só irá fazer algumas perguntas, se você passar no teste, ele irá entrar em contato com sua família, e você poderá sair daqui.
A encarei por um tempo, a coisa era séria, sair de lá era uma de minhas metas. Sorri para Samantha, que ficara ainda mais confusa com toda aquela conversa.Olhei para as duas, e disse:

—Depois de longos sete anos aqui, finalmente tenho uma chance de sair, eu vou falar com o diretor. —Suspirei. —Obrigado Tonica. —Agradeci pela a chance que tinha me dado. —Se eu fosse você Samantha, fazia amizade com ela, ela é velha... Mais sabe ser uma boa amiga. —Disse me referindo a Tonica.
—Valeu por avisar. —Samantha disse encerrando a conversa.


Sai e deixei elas sozinhas, ouvi Tonica murmurar alguma coisa sobre o fato de tê-la chamado de velha, ignorei, entrei e segui caminho á direção. Cheguei em frente á porta.

Hesitei por um tempo em bater, minha carta de alforria dependia de minhas respostas. Me enchi de coragem, espero isso há muito tempo, não posso me dar ao luxo de sentir medo agora. Ergui a mão e bati. Uma voz grossa e cansada gritou do outro lado “PODE ENTRAR”.

Abri a porta e caminhei devagar a seu encontro, ele parou o que estava fazendo, pediu para que eu me sentasse e começou:

—Amelie Keat, integrante do Sanatório São Diego desde 22 de maio de 2005, estou certo?

—Está sim, já faz sete anos. Doutora Antônia me disse que o senhor queria falar comigo. —Respondi, mais uma vez, da minha maneira inocente, para disfarçar o que eu já sabia.

—Sim, sim. Paremos com as formalidades, meu nome é Robert. Antonia veio me procurar falando de você, sobre seu desempenho, sua melhora. Disse que você é diferente dos outros.
A está altura, eu estava um poço de nervos, vi que ele estava curioso em falar comigo, afinal, não é todo dia que você encontra um louco possivelmente curado.
—Não vou negar que sou diferente. Acho que tudo é uma questão de tempo, eu me adaptei ao sanatório, eu sei viver aqui. Se os outros aprendessem a se adaptar melhor, teriam resultados melhores. —Disse deixando uma de suas sobrancelhas franzirem.
—Eu me lembro de quando você entrou. Como o tempo passa rápido... Sete anos –Disse ele relembrando.

—É o senhor tinha cabelo também. –Respondi, ele soltou uma risadinha e continuou.
—Realmente... Sua ficha é excelente. Não temos nenhuma reclamação sua sobre má conduta. Como Antonia disse calma, educada, inteligente. Você gostaria de sair do sanatório? —Perguntou doido para querer saber minha resposta.
—Quem não quer? Sair e viver, ir para a escola, conviver com sua família? Espero esse dia desde que entrei aqui. —Respondi com toda sinceridade.
Uma pequena pausa foi feita, ele me encarava e observava cada gesto meu, por fim, olhou para mim, eu estava muito nervosa, eu não queria ler seus pensamentos, saber de uma notícia antes da pessoa te contar, pode ser desagradável ás vezes.

—Digamos assim, que te dou uma chance, de sair, ligo para sua família, e você passa a ter uma vida normal. Como se sentiria?
—Como se estivesse nascendo outra vez, tendo outra chance. —Respondi de imediato.
—Hum... —Murmurou. —Me convenceu. Arrume suas coisas Amelie keat, amanhã seu responsável virá te buscar.
—Você está falando sério?? —Perguntei meio assustada.
—Por que não estaria? —Perguntou nada surpreso com minha reação.

Um sorriso saiu de minha face, que antes era nervosa e preocupada, tornando-a irradiante, não pude me conter, sem querer saiu um “NÃO ACREDITO”. Fiquei tão feliz que o diretor deveria ter achado que meu estado voltou a ser de louca. Agradeci umas quinhentas vezes, e sai de sua sala.

Corri de volta para o jardim, encontrei Tonica e a abracei com toda a minha força, devo ter feito pressão sobre um ou dois de seus ossos, ela me retribuiu o abraço soltando um “Vai viver Amelie”. No resto do dia eu não consegui pensar em outra coisa a não ser em como seria amanhã. Como meu pai estaria meu irmão, minha madrasta, essas perguntas nunca saiam da minha cabeça.

Tive aula de artes á tarde. Aproveitei bastante, seria a última, vi que Samantha estava se enturmando em meio aos pincéis. Espero que ela não fique aqui o mesmo tempo que fiquei.

Assim que a aula acabou, resolvi ir para meu quarto, era muita felicidade para tentar fazer outra coisa. Arrumei minhas roupas, colocando-as dentro de uma mochila. Quando acabei, me deitei na cama, e fiquei pensando, eu me perco quando começo a pensar. O sono veio de mansinho, meus olhos foram ficando cada vez mais pesados, adormeci ali, mal podendo esperar, o dia de amanhã.
 

2 comentários:

  1. Que coisa horrível viver trancafiada em um hospício por sete anos sem ter nenhum problema mental. Ainda bem que parece estar chegando a hora de vc dar o fora daí. Boa sorte.

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